terça-feira, 26 de março de 2013

Traduzindo Hannah, do Brasil à Europa


Traduzindo Hannah, lançado em quatro países da Europa, é seu segundo romance – mas o bastante para consagrar Ronaldo Wrobel ao lado dos grandes nomes da literatura brasileira. É nesta condição que ele integra a comitiva de nove escritores que viaja este mês à Alemanha para, numa espécie de missão pré-Frankfurt, apresentar ao país nossa literatura. Nesta entrevista a Shahid, antes de embarcar, no dia 12, Wrobel falou sobre a viagem, o começo da carreira, influências que o inspiram – entre elas o judaísmo – e a repercussão de Traduzindo Hannah. "Parece óbvio, mas são os leitores que têm promovido o livro tanto aqui quanto lá fora", diz.


Traduzindo Hannah (Record) é um romance de temática judaica, recheado de ensinamentos e reflexões sobre a vida. Qual a origem desse repertório? Sua própria vivência, outros livros...?
O judaísmo vem se transmitindo através de boas histórias há alguns milênios. Trata-se de um povo e de uma cultura que combinam perfeitamente com literatura, teatro e cinema. Enquanto escrevia Traduzindo Hannah, conversei com gente que viveu a Era Vargas e li ótimos livros, como as memórias do advogado Samuel Malamud sobre a comunidade judaica da Praça Onze. Mas a maior inspiração para o romance veio de avós, tios-avós e primos chegados do Leste Europeu nos anos 20 e 30. São as matriarcas e os patriarcas do meu espírito judaico.

E de onde você tirou a ideia da busca aflita de Max Kutner por Hannah – e, com o passar da história, por si mesmo? Melhor: que questões o motivam a escrever?
Sempre gostei de personagens que enfrentam transformações essenciais no curso da história. Um romance que aborda esse processo e me impressionou muito na juventude é O Fio da Navalha, de Somerset Maughan. Em cinema, admiro O Show de Truman, sem falar nos filmes de Woody Allen. Não vejo graça em histórias sem riqueza psicológica. De que adianta o personagem cruzar mares e desertos se isso não for capaz de mudá-lo?

Quando e por que decidiu se tornar escritor?
Nunca decidi me tornar escritor. Eu já escrevia quando criança, sem saber se aquilo me fazia ou faria escritor. Assumi que era escritor lá pelos 25 anos, quando resolvi pôr no papel um romance chamado Propósitos do acaso (Nova Fronteira), que amarelava na minha imaginação. Terminar o romance e publicá-lo foi um grande susto.

Propósitos do acaso também remete à cultura judaica. Qual a importância, para você, de explorar o tema?
Cresci ouvindo histórias de avós, tios-avós e primos judeus que vieram da Europa Oriental para o Brasil nos anos 20 e 30. Eram histórias fantásticas, com guerras, revoluções, fugas, pobreza, separações - tudo contado de um viés judaico. Havia drama e comédia e eles sempre se emocionavam, chorando e rindo ao mesmo tempo. Não faltavam controvérsias e até discussões sobre o que realmente teria acontecido. Depois, todo mundo ia comer. E comer bem!

Traduzindo Hannah foi muito elogiado e agora começa a alcançar o mundo (com lançamentos na Espanha, Itália, França e Alemanha). Esperava essa repercussão? O que fez para consegui-la?
Sem entrar no mérito do livro, atribuo essa repercussão inesperada à propaganda boca-a-boca. Foi isso que levou o romance à segunda edição brasileira. No caso das edições estrangeiras, duas delas foram influenciadas por brasileiros que moravam na Europa ou conheciam europeus. Parece óbvio dizer isso, mas são os leitores que têm promovido o livro tanto aqui quanto lá fora.

Você está entre os nove brasileiros selecionados para divulgar nossa literatura na Alemanha nesse período pré-Frankfurt. Quais as suas expectativas para a viagem?
Nunca estive numa feira literária estrangeira e estou entusiasmado. É impressionante o carinho com o qual escritores do exterior são recebidos em eventos como a Flip e Fliporto. A diferença é que não vou viajar sozinho, em caráter privado. Somos nove escritores brasileiros numa viagem precursora da Feira de Frankfurt e nossa agenda será voltada para a divulgação da literatura nacional. Existe uma finalidade institucional que vai ser sempre levada em consideração.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Cinquenta anos de poesia


Aos 17 anos, Lélia Coelho Frota reuniu as poesias que viriam a compor seu primeiro livro, Quinze Poemas, e bateu à porta do gabinete de Carlos Drummond de Andrade, que, na época, trabalhava no Ministério da Educação (RJ). Ele a recebeu bem, fez sugestões sobre os versos e os dois se tornaram amigos. Como se não bastasse, após ver uma exposição de Milton Dacosta e se apaixonar pelas pinturas do artista brasileiro, procurou-o e pediu que ilustrasse esse mesmo livro, lançado em 1956.

Esses episódios marcam os dois principais caminhos que a poeta, antropóloga, crítica e curadora de arte Lélia Coelho Frota (1938-2010) iria trilhar ao longo da vida: a poesia e as artes plásticas. Premiada com o Jabuti e com o Prêmio Olavo Bilac da Academia Brasileira de Letras pelo livro Menino Deitado em Alfa (Quíron, 1978); amiga de Drummond, Guimarães Rosa, Cecília Meirelles; admirada por Ferreira Gullar, Henriqueta Lisboa e Otto Lara Resende, entre outros grandes nomes da poesia e literatura brasileira, a escritora também teve atuação importante no resgate e valorização da Arte Popular Brasileira.

Foi diretora do Instituto do Folclore da Funarte – atual Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular –, do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro e presidente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Como autora na área das artes plásticas, elaborou o Pequeno dicionário da arte do povo brasileiro - século XX (Aeroplano, 2005), o primeiro e único livro a reunir e organizar informações sobre 150 criadores de fonte popular, entre outros títulos.

Em 2001 ajudou a fundar a editora Bem-Te-Vi Produções Literárias, onde ocupou o cargo de diretora editorial até sua morte em 2010. Agora, a mesma Bem-Te-Vi presta uma homenagem a Lélia publicando sua obra poética completa, com a reunião de todos os seus livros de poesia.

Lançamento de Poesia Reunida – Lélia Coelho Frota (1956-2006) 
Data: 14 de março, às 19h 
Local: Livraria Argumento Leblon


terça-feira, 12 de março de 2013

Teco e a vida real


Nada de brincadeiras ou fantasias. O universo do menino Teco – protagonista do "juvenil" Teco, o garoto que não fazia aniversário (Editora Barcarolla), escrito a quatro mãos por Marcelo Mirisola e Furio Lonza, e ilustrado por André Berger – retrata mesmo é a realidade – e a sua face mais dura. Ao tentar escapar da festa do seu aniversário de nove anos, Teco conhece o palhaço Cachacinha – sua porta de entrada à vida nas ruas, regada a álcool, drogas e pancadas. Famoso por sua irreverência como escritor, Mirisola fala nesta entrevista sobre a pertinência do livro – do qual espera desdobramentos –, critica a vaidade do "meio" literário e lamenta a dificuldade de comunicar suas histórias a um público mais amplo.

Seu livro mais recente, Teco, o garoto que não fazia aniversário, tem como protagonista um garoto de nove anos, ao mesmo tempo que trata de questões do universo adulto, como drogas e alcoolismo. Pensando em que público este livro foi escrito?

Basta dar uma volta pela Praça da Sé pra perceber que droga e alcoolismo não são problemas restritos ao mundo adulto. Se você fizer a mesma coisa na rua Oscar Freire vai perceber que droga e alcoolismo não distinguem faixa etária, tampouco classe social. Pensamos, eu e o Furio Lonza, co-autor do livro, no público inteligente. Talvez seja esse o grande defeito do livro.

De onde veio a ideia da história e dos personagens?
Tudo começou com o nome dos palhaços. Primeiro, veio o Cachacinha, que é uma brincadeira com um amigo biriteiro que faz (ou fazia) shows para crianças. Aí eu inventei o Alambique. A partir daí a história criou corpo, deslanchou e promete desdobramentos. Vamos ver.

Você é considerado um escritor irreverente e polêmico. Essa marca atrapalha ou estimula seu trabalho?
O problema é que ser irreverente no Brasil de 2013 é diferente de ser irreverente na Inglaterra do final do século 19. Aqui e agora, Kléber Bambam é o que temos de mais parecido com Oscar Wilde, G.K Chesterton e Shaw... Fica difícil.

O que move suas escolhas, de tema e linguagem, como escritor? Acha que falta irreverência na literatura produzida hoje?
Não adianta nada ter repertório, ou linguagem, como você diz, se não há correspondência por parte de um grande número de leitores. Meu leitorado é restrito e, vá lá, iluminado, mas não paga minhas contas. Por outra via, meus pares que podiam facilitar as coisas pro meu lado, e me arrumar uns prêmios em dinheiro, viagens e diversão, me ignoram solenemente. O que conta nesse "meio" é vaidade e tapete puxado. Azar o meu, azar o deles. Daí que eu não me movo, apenas chafurdo. Estou de mãos atadas, e continuo publicando um livro melhor que o outro. Acho que sou masoquista.

Quais são as suas referências na literatura?
Dona Marietta, maior referência literária da segunda metade do século 20, e do primeiro decênio deste novo milênio. Ela que me sustenta.

Se tivesse que destacar um livro seu, entre os mais de dez que publicou, qual escolheria?
Joana a contragosto, publicado pela Record em 2005.