quinta-feira, 18 de julho de 2013

O "Gado novo" de Guille Thomazi

Seu primeiro romance – o curto e seco "Gado novo", lançado na última segunda-feira (15) no Rio de Janeiro – é, ainda que breve, consistente e de qualidade. É como vêm avaliando até agora seus leitores, entre eles escritores de peso da literatura brasileira. Guille Thomazi, de 27 anos, estudou cinema e hoje se divide entre os negócios da família – do ramo madeireiro e pecuarista – e a literatura. Nesta entrevista feita por e-mail, ele deixa marcas do seu estilo peculiar de escrita ao falar do nascimento e maturação de "Gado novo" – escrito, ele diz, com tinta extraída de suas entranhas –, avalia as influências artísticas que marcam sua narrativa e revela a intenção de publicar novo romance em breve.

"Gado novo" é seu primeiro romance, já com boa repercussão junto a outros escritores. Qual o diferencial, para você, deste livro?
Fiquei muito feliz com o feedback favorável de alguns escritores, alguns reconhecidamente do primeiro time das letras nacionais. Foi muito bom saber que gente que entende do riscado diz que tenho uma obra, embora breve, consistente e de qualidade. Foi uma surpresa descobrir isso, ainda mais por se tratar de uma obra escrita com tinta extraída das minhas entranhas, no melhor sentido da coisa, pois "Gado Novo" é um amálgama de algumas das minhas experiências e do aperfeiçoamento de um estilo narrativo e estrutural que homenageia o leitor, ao não subestimá-lo, apresentando o problema matemático, deixando pistas de quais elementos acrescentar à fórmula e aí executar a operação. E não precisa ser bom em matemática para ler "Gado Novo". Nem muito brilhante para entender. Até eu consegui.

A história gira em torno do assassinato de uma menina, a que cinco personagens estão ligados de alguma forma. De onde veio a ideia para essa trama?
Houve um conto, escrito sete anos atrás, que me perturbou o bastante para que eu me arrogasse a oportunidade de incomodar um dos autores responsáveis pela estória (trata-se da adaptação de um livro para o cinema) que me inspirou a criá-lo. Anos depois. E aí este cara (um autor de grosso calibre) leu, gostou e sugeriu a ampliação deste universo, o que acarretou "Gado Novo". E aí a história é comprida. O livro passou dois anos na gaveta até que me obrigassem a procurar publicá-lo. Minha vida é um turbilhão, e era ainda mais complicada na época em que escrevi o livro. Tanto que, não fosse afortunado como fui nesta história, meu caso rápido que culminou em amor recíproco com a Shahid e a 7Letras e o estímulo para eu seguir com esta ideia, provavelmente o livro não existiria. Igual a outras obras abandonadas, aliás.

Sua narrativa, ao menos neste romance, é seca, marcada por frases curtas, linguagem crua. Que escritores influenciaram sua voz?
Uma inspiração fundamental para o livro foi a obra de Zé Ramalho. O título e alguns elementos de estilo, desenvolvidos no "Gado Novo", são referências objetivas e também uma maneira de homenagear, como retribuição pelas músicas que me tocaram o coração, o filho do Avohai. A descrição curta e seca obedece ao raciocínio circunstancial do narrador, pois naquele momento é assim que ele se organiza intelectualmente: pragmático. Emoção e razão estão circunscritas em campos paralelos, mas com barreiras permeáveis, contudo, dado que os personagens são representações de seres humanos. E entre Falkner, Cormac McCarthy, Raduan Nassar e Graciliano Ramos eu concateno os autores que a este livro geraram influência. Um autor que a mim desperta uma reverência algo religiosa, mas sem nenhuma fé, é Saul Bellow – aquele que consegue atravessar as matizes da complexidade do ego humano, com um domínio técnico tão extraordinário que sequer chego a pensar nestes termos quando o leio, e que me faz querer abraçar seus personagens e dividir com eles o peso de suas angústias, que eu entendo, mas jamais poderia explicar. É como se minha maior referência no salto com vara fosse um esgrimista.

Além de escritor, você é cineasta. Acha que a formação em cinema de algum modo marca a sua escrita?
Pois é, minha formação é em cinema. Andei cometendo isso também. Acho inevitável ser influenciado na escrita pela minha experiência com cinema, mas considero esta influência sem pertinência, pois me dediquei dez vezes mais a ler e estudar a vida em raciocínios lógicos ou subjetivos, digerindo experiências e absorvendo o que percebia no histórico desta espécie inviável, que julgo ser a nossa, do que pensando em termos cinematográficos quando elaboro uma narrativa. A geração de imagens é inerente à nossa formação de idéias, ainda mais quando se quer contar uma história através da escrita. É na cabeça do leitor que o universo do livro vai existir, e as imagens que ele vê, suscitadas pelas palavras escolhidas pelo autor, são particulares e inacessíveis, o que de certa maneira é triste. Imagino que eu seria um escritor melhor se pudesse conhecer as versões do universo de "Gado Novo" elaboradas nas cabeças dos leitores. Certamente existem versões mais ricas que as minhas. Mas felizmente conheço bem o universo real no qual se desenrola a trama, e aí a vida, como sempre, influencia e sobrepuja sobremaneira a escrita, muito além do cinema e do salto com vara.

E depois de "Gado novo", há novos projetos?
Sim, há outros projetos. Andei cometendo a paternidade também. Apesar de ser e continuar (até o momento Jessica Chastain não respondeu as minhas cartas) solteiro. Saber que o país que meu filho vai encarar foi empenhado há tempos em arranjos presentes me desanima e revolta – e aí o pensar em projetos me parece temerário. Digo isso com vistas na saúde mental. Mas a pergunta não é essa, só achei pertinente mencionar, pois preciso pensar no leite da criança e é mais fácil ordenhar pedra que tirar da venda de livros meios para este recurso precioso. Não obstante sou teimoso e diligente. Há sim um livro, quatro vezes maior que "Gado Novo" (que é bem curtinho), que está na fase do polimento. O título, por enquanto, é "Um país de tolos" – a ver se ao menos sai o livro de um deles.

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