quinta-feira, 26 de abril de 2012

A lanterna mágica de João Batista Melo

Como se faz cinema para crianças no Brasil? A resposta está no livro Lanterna mágica: infância e cinema infantil (Civilização Brasileira) do escritor e cineasta mineiro João Batista Melo. O trabalho – primeiro a tratar do tema no país – é resultado de seu mestrado na Unicamp em 2004. Em entrevista à Shahid, João conta sobre a sua relação com livros e filmes, da infância até os dias de hoje, e questiona a qualidade das produções nacionais voltadas ao público infantil. 

Como nasceu seu interesse pelo cinema infantil?
Desde a adolescência tenho uma relação forte com o cinema. Com 15 anos, rodei meu primeiro filme – ou pelo menos parte dele, já que era um megalomaníaco projeto de longa-metragem. Pouco tempo depois já escrevia críticas de cinema para o jornal Estado de Minas e dirigi meu primeiro curta-metragem. Mas nunca tive nenhum interesse ou atração especial pelo gênero até que, em 2001, fiz um mestrado sobre o tema. À medida que fui estudando o assunto, aí sim comecei a me envolver de maneira mais intensa. Principalmente ao descobrir que, apesar de existirem muitos filmes belíssimos, o cinema infantil foi muito pouco estudado no mundo e, principalmente, no Brasil. 

Ao estudar a ficção escrita para crianças como base para o cinema, quais características chamaram mais sua atenção?
O cinema infantil sempre buscou inspiração na literatura infantil. Inicialmente nos contos de fadas e nos romances clássicos, como Alice no País das Maravilhas, que teve sua primeira versão para o cinema no início do século XX. No Brasil, um dos primeiros longas-metragens para crianças, O Saci, de Rodolfo Nanni, foi baseado num livro de Monteiro Lobato. Mas a partir da década de 1970, a literatura praticamente desapareceu como fonte de inspiração para os filmes infantis, substituída por temas e heróis com origem na televisão, a exemplo de Xuxa e Renato Aragão, cujos filmes respondem por 50% da produção nacional para crianças. 

Em sua opinião, o cinema infantil deve ser educativo?
Não gosto do termo educativo aplicado à arte. Prefiro o termo pedagógico. E nesse sentido penso que tudo produzido para crianças deve ser pedagógico. Quem produz cinema infantil precisa ter a percepção permanente de que seu público possui características especiais que não podem ser ignoradas na concepção e na realização de um filme. Trata-se de um espectador que está em processo de formação, de construção de suas relações com o mundo, com um senso crítico ainda em evolução, quando não incipiente. No meu livro, considero como filme infantil, numa concepção ideal, aquele que tem como personagem principal uma criança que enfrenta desafios e cresce psicologicamente em sua jornada. Nada mais pedagógico do que isso. 

Como você avalia o desenvolvimento do cinema infantil no Brasil?
Se o estudo do cinema infantil no Brasil é quantitativamente insignificante, a produção é pior ainda. Somente 2% dos filmes brasileiros foram pensados para o público infantil – e mesmo assim metade deles são produções de Xuxa e Renato Aragão. Cinema é uma arte muito cara e ainda temos o já mencionado fator televisão. Mas no mundo inteiro, com exceção de Hollywood, o cinema infantil depende de apoio governamental. E o Estado faz questão de apoiar pois compreende a necessidade de um tratamento diferenciado no diálogo com esse público. No Brasil, não existe nenhuma lei a respeito, o que ajuda a explicar os pífios 2%. 

Quais filmes marcaram sua infância?
Na minha casa se lia muito. Da minha infância e início da adolescência ficaram as lembranças das leituras de Julio Verne, Alexandre Dumas, Emilio Salgari. Mas não havia o hábito de ir ao cinema, exceto para ver Mazzaroppi, o único ídolo de meu pai no cinema. Comecei a ver muitos filmes infantis, como os de Walt Disney, depois de adulto. E essa experiência me fez valorizar uma frase muito legal de C.S. Lewis, o autor de Crônicas de Narnia: um livro infantil é bom quando ele também interessa a um adulto. Em Lanterna Mágica, levo essa ideia para o cinema: um filme infantil somente é bom se ele também for interessante para um adulto.